domingo, julho 25, 2004

A vida alheia
 
Às vezes quero saber da vida alheia. Sou toda ouvidos e olhos capturando as outras vidas e povoando minha imaginação. As orelhas crescem para ouvir a conversa dos que estão sentados atrás de mim no ônibus e os olhos, atentos, muito abertos para perceber cada detalhe de quem está passando.
Às vezes digo a mim mesma: "que coisa feia, menina, meta-se com sua vida!"
Inevitável, quero saber, é vida, não minha, mas vida. Preciso descobrir as vidas, desvendá-las e cochichar nos meus próprios ouvidos: "olha aquele casal, está feliz!"; ou então: "nossa, como alguém pôde matar o próprio amante, como aquela mulher confessou no ônibus."
Nesses momentos, alguém que senta ao meu lado e conta toda sua vida, sem nem perguntar meu nome, faz com que eu me sinta importante e necessária. Eu sei da vida dela e ela não sabe meu nome. Que alegria ser uma anônima tão requisitada. Não tenho rosto, nem nome, sou um ouvido que, prestativo, começa a saber segredos de um outro que jamais vi e espero nunca mais encontrar.  
Às vezes a vida alheia me preenche e faz com que a minha própria vida fique em segundo plano. O que é minha vida diante da vida alheia? Ora, quão mais belas as cartas que pude ler, sem ser a destinatária, quão mais trágicos os namoros que soube como acabaram sem ter sido a namorada, quão mais cheios de adrelina os encontros furtivos em motéis longíquos dos quais só participei ouvindo, sem nunca obter o gozo ou a decepção das escapadas.
Preciso dessas histórias, necessito de vida, não da minha, da alheia.
Por mais que pareça estranho, às vezes, eu sou uma vida alheia a mim mesma, porque tudo em mim é vida e se modifica. Aí, preciso saber da minha vida pela vida alheia, para lembrar quem eu sou. Sentir-me normal, até demais, diga-se de passagem. Sentir-me real e mera ficção. Reconhecer-me na vida alheia.
Mas, diferente dos outros, gosto de estar alheia à vida alheia. Gosto de ouvir, olhar e observar, mas desde que eu dê os nomes e continue as histórias que me foram contadas pela metade.
Revistas de fofocas iriam a falência se dependessem de mim. Bom mesmo é vida alheia que permanece alheia, que você só sabe pela metade e nem viu o rosto, só as pernas ou as mãos. Só as bocas e as vozes. Uma tela cubista que você enxerga como quiser...

É que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi.
 
No centro velho de São Paulo o rosto de espera do paulistano fica mais exposto. Há gente que passa e a pressa contagia até quem não tem compromisso.
Há gente bonita e gente tentando se enfeiar. Há gente que se esconde e quem faça de tudo para aparecer.
Há homens do meu tamanho, mulheres com 1,80m. Há meninas que parecem meninos de mãos dadas com meninos que parecem meninas.
E todos esperam a multidão passar para se sentirem sós no meio dela, outros para se sentirem únicos, alguns, apenas mais um.
Há prédios lindos que ficaram feios, prédios feios que todo mundo diz que são lindos. Ruas sujas e garis sentados. Ruas limpas e garis varrendo.
Há velhinhos dormindo, alheios a tudo e todos. Homens que se transformam em estátuas na esperança de parar os passantes, sem muito sucesso.
Homens que correm de um lado para outro, no centro de uma roda formada pela multidão estática, abismada e achando muito engraçada a correria. Paulistano gosta de espelho. Paulistano gosta de rir de si mesmo, enquanto espera.
Paulistano espera porque sempre está a caminho.
Na estação Sé, se não tomar cuidado, sai do outro lado. Dentro do metrô, espera a estação que se não tomar cuidado, desce na errada. Na rua, espera o trânsito passar, o ônibus chegar, os passantes diminuírem.
E quando se cansa de esperar, pode passar no bar do Léo, no bar Brahma, ou em qualquer boteco do centro, porque tudo é perto e tem uma estação de metrô em cada esquina.
Ou tudo é longe, mas tem tanta gente esperando, que parece que tudo é perto e fica ali na esquina, atrás daquela moça vendo pente, ou do rapaz vendendo chocolate.
Vai no bar para esperar o cansaço passar. Toma um chope para esperar o stress ir embora. Senta e espera... fica em pé e espera...
Paulistano espera.

domingo, julho 18, 2004

No casulo para virar borboleta
 
Mil coisas acontecendo e o blogger mudou. Tem coisinhas novas que eu ainda não testei, mas testarei em breve.
Explicações aos meus queridos leitores:

  • Deisielle, desculpe não ter respondido seu e-mail, mas meu computador anda travando, tendo crises existenciais e fica querendo discutir a relação todos os dias que eu tento usá-lo.  Máquinas e características humanas: algo para se colocar na lista de coisas a entender.
  • Mms, ser lindo e maravilhoso, amado, idolatrado, salve! salve! tento comentar no tucupi, mas a caixa de comentários resolve pegar fogo na hora em que coloco meus dedinhos no teclado. Saudade, docê! Agosto tem gosto de reviravolta! Ano passado teve o gosto do desgosto da partida. Esse ano tem o gosto do gosto da chegada.  "O gosto da gente e o gosto das coisas" - estou influenciada por esse livro!
  • Ana, o mesmo que acontece com o blog do Mms, acontece no seu. Eles me deixam trancafiada.
  • Todos os demais leitores que não cito os nomes, não por falta de consideração, mas por não ter nada específico a dizer, quero que saibam que em breve "eu vou voltar, sei que não é chegada a hora de se ir embora, é melhor ficar." Tenho escrito pouco aqui, porque tenho escrito muito fora. Idéias surgem e muitos trabalhos agilizados para não ser pega de surpresa. Aliás, se algum de vocês conhece um centro de pesquisa sobre mulher, me dê um toque: endereço de e-mail, endereço real e telefone. Fico grata.

Beijos a todos, saudades e logo volto com mais ficção da Dama e meu novo nome, porque Beduína dos Velsos não existe mais!

 

segunda-feira, julho 12, 2004

Rápidas, porque o dia está nublado.

"Anything Else" e eu me vi necessitando de um Kit sobrevivência. Vejam esse filme, é o melhor de Woody Allen desde de "Celebridade". Ele voltou a fazer o que ele sabe: diálogos inteligentes sobre tudo na vida...

Toca Raul

Sessão de "Não amarás", do Kieslowski, às 2h da madrugada e um cara empolgadaço, na Rua da Consolação, cantando músicas do Raul Seixas. Nos silêncios do filme, que não eram poucos, ouvia-se nitidamente seus agudos em "Tente Outra Vez". Serviu para não deixar a galera, que encarou o "Noitão", dormir.

Se você jurar que me tem amor/ Eu prometo me DEGENERAR

Acho que eu deveria me convencer de vez que ter desistido de ser freira foi a pior coisa que eu fiz na vida. Devo ter vocação, não é possível alguém ser tão desastrada no que diz respeito a relacionamentos.

Não quero que você se envolva

Breve em cartaz no cinema mais longe de você.
Estrelando: Zuleide Lear.

Só para entendidos:

Bisogno un uomo SEXUAL.

Um hemisfério nessa cabeleira

Estou decorando esse poema em prosa para declamar à Maria Bethania se um dia eu conseguir encontrá-la.

quinta-feira, julho 08, 2004

Essa não é mais a minha OPÇÃO!

Morar em Macondo dá nisso, a gente fica sabendo via internet o que acontece. Embora eu não tenha muitos leitores, quero deixar aqui meu protesto.
Seguranças do bar Opção interpelaram duas garotas por estarem se beijando. Uma delas é uma grande amiga minha, pessoa linda, querida e MA-RA-VI-LHO-SA! Ou seja, alguém que deixa qualquer lugar mais agradável e com fama de MUITO BEM FREQÜENTADO!
Eu, embora achasse aquele lugar sem graça, o freqüentava, especialmente quando ia me encontrar com algum amigo feito na internet, porque sempre era a "opção" que eles faziam.
Os amigos fizeram beijaço em protesto, mas ainda estou indignada, pois mesmo depois do Frei Caneca, esse tipo de coisa ainda vem acontecendo e, vejam só, num bar localizado na Av. Paulista. Se ainda fosse num boteco freqüentado por carecas do ABC, vá lá, não é justificável, mas esperado...
Uma coisa é certa, posso não fazer falta, mas não darei o ar da minha graça naquele antro preconceituoso e patético.

terça-feira, julho 06, 2004

Um post realmente autobiográfico

Durante muito tempo usei o pseudônimo de Zilda. Ele surgiu pela dificuldade dos porteiros de prédio e recepcionistas entenderem meu nome.
Como passei a chamar-me Zilda em quase todas as ocasiões sociais em que não se precisa de RG, acostumei e já me imaginava protagonizando uma paródia da personagem de Rita Hayworth, a Gilda. Pensei até em escrever uma pseudo-autobiografia chamada: "Nunca houve uma mulher como Zilda". Seria a glória contar sua vida pra lá de fascinante: uma mulher bonita, culta, inteligente e, principalmente, muito sexy e interessante ao olhar masculino.
Algum tempo depois, percebi que Zilda era tudo que eu gostaria de ser e não teria a menor graça escrever a biografia dessa mulher, porque ela era perfeita. Não há nada mais chato do que alguém perfeito, afinal, não foi à toa que crucificaram Jesus Cristo.
Quando Zilda passou a ser intragável, precisei de outro pseudônimo para as ocasiões sociais e também para povoar a minha imaginação com idéias mirabolantes sobre os seres humanos. Nesse momento virei Zuleika Macbeth. Claro que nunca ousei dizer o sobrenome escolhido aos porteiros e às recepcionistas, apenas o utilizei num "conto" erótico que me encomendaram e jamais publicaram.
O nome surgiu por causa de uma moça que eu entrevistei para trabalhar em casa, história até já contada aqui, mas para não obrigá-los a abrirem outra página, vou resumi-la.
A moça lavava as mãos a cada pergunta que eu fazia e se chama, pela graça dos deuses do nome, Zuleika. Digo pela graça dos deuses, porque tenho obsessão por nomes iniciados pela letra "Z".
Contudo, ela não era uma doméstica, seu perfil fora inventado pela pessoa que me encomendou o conto e era mais ou menos assim:

Zuleika Macbeth é jornalista e escreve contos de macho para revistas femininas ou contos femininos para revistas de macho. Ela nunca sabe dizer...

A Zu era legal, gente boa para conversar no bar, falar de homem e futebol. Uma mulher pra lá de moderna que não suportava frescura e ia direto ao assunto, mas era tão direta e sincera que chegava ser insuportável para uma convivência mais íntima. Sua carreira na minha fértil imaginação durou pouco, apenas o tempo de escrever o tal conto e algumas outras coisinhas.
Quando estive fragilizada, Beduína dos Velso pareceu-me ser alguém legal para expressar-se por mim. Achei que seria uma mistura de Gibran com Drummond. Meu lado oriental, cristão e profético somados à tristeza, descrédito e passionalidade que me invadiram na ocasião.
Esse nome me foi dado por um grande amigo quando, digamos assim, estávamos namorando.
Contudo, Beduína dos Velsos tornou-se um disco riscado na minha doente cabecinha. Não estou falando sobre os momentos em que escrevo coisas introspectivas nessa página, porque nada do que eu digo aqui deve ser levado a sério. Estou falando sobre a decadência de alguém que nasceu para correr nua no deserto e desafiar as areias que cegavam seus olhos e acabou tornando-se melosa e romântica demais. Um ser que anda na rua de cabeça baixa e cicatrizes nos pulsos.
Definitivamente, Beduína precisa morrer, só me falta um novo nominho para povoar meu quarto e para eu escrever mais uma pseudo-autobiografia.
Alguma sugestão? Aguardo respostas.

sexta-feira, julho 02, 2004

Um dia de caranguejo

Parece sina encontrá-lo quando vou ao cinema. Dessa vez, não na saída, mas um pouco antes da sessão começar, na loja de bichos de pelúcia.
- Menina! Comprando um bichinho para dormir com você? Pelo jeito aquele negócio de não ter ninguém para deixar uma fita te bagunçou.
- Sempre engraçadinho. Tava procurando uma lagosta.
- Lagosta? Melhor você ir ao Mercado Municipal.
- Isso que você disse foi para rir?
-Não fique brava. E a arara que eu te dei, não serve mais para dormir com você?
- Não é isso, é que eu quero uma lagosta agora. E você, o que faz aqui?
- Te vi entrando.
- Tá sozinho? Que milagre...
- Acabei de deixá-la em casa, na verdade.
- Ainda é a mesma?
- Qual mesma?
- A que jura que eu sou uma louca viciada em achocolatado e deve ter uns17 anos.
- Não, é outra agora... e ela já tinha 18.
- Melhor, né? Não corre o risco de ser preso.
- Crime de Sedução é de 16 anos, creio que tenha baixado para 14, não tenho certeza.
- Tá bem informado, hein?
- Não era você que queria conquistar um garotinho de 16?
- Você sabe que era brincadeira.
- É eu sei, se ele disser que tem 25 você já descarta.
- Não exagera, 25 são só cinco anos menos, já 18 são 12, né?
- E qual o problema, menina?
- O problema é a lei da gravidade.
- Os homens também sofrem com ela, temos que desafiá-la sempre.
- Mas aí que está, quando ela for aplicada em mim, ele não vai conseguir desafiar nem com reza braba, vou ser trocada por uma de 12, o que é o fim para uma mulher.
- E quem disse que você não corre esse risco com um homem da sua idade ou mais velho?
- Eu sei que corro até mais risco com um homem mais velho, mas isso não me salta aos olhos quando tenho que conhecer os amigos dele.
- Boba, a garota que acabei de deixar em casa tem 23 anos e vocês parecem da mesma idade, ninguém diz que você fará 30 anos semana que vem.
- Você ainda lembra...
- É, você é que não lembra.
- Eu lembrei, comprei presente, cartão, rascunhei e-mail, mas...
- Mas?
- Desisti, quem anda pra trás é caranguejo, você me ensinou isso.
- Eu sei... - ele ficou em silêncio por alguns segundos e disse - mas e aí, achou a lagosta?
- Não, gostei da coruja, só que vou decidir uma outra hora, agora já está quase na hora da sessão começar. E você, vai ficar aqui?
- Acho que sim, me deu vontade de comprar um caranguejo, quem sabe eu acho.

Nessa hora senti uma vontadade absurda de abraçá-lo, mas achei melhor ir embora sem qualquer contato físico. Sabia que se fizesse isso, não iria querer mais sair de seus braços e teria que fazê-lo assim que amanhecesse. Nosso problema sempre foi esse, com a diferença que quando estávamos juntos, eu é quem pedia para que ele fosse embora ao amanhecer...