A vida alheia
Às vezes quero saber da vida alheia. Sou toda ouvidos e olhos capturando as outras vidas e povoando minha imaginação. As orelhas crescem para ouvir a conversa dos que estão sentados atrás de mim no ônibus e os olhos, atentos, muito abertos para perceber cada detalhe de quem está passando.
Às vezes digo a mim mesma: "que coisa feia, menina, meta-se com sua vida!"
Inevitável, quero saber, é vida, não minha, mas vida. Preciso descobrir as vidas, desvendá-las e cochichar nos meus próprios ouvidos: "olha aquele casal, está feliz!"; ou então: "nossa, como alguém pôde matar o próprio amante, como aquela mulher confessou no ônibus."
Nesses momentos, alguém que senta ao meu lado e conta toda sua vida, sem nem perguntar meu nome, faz com que eu me sinta importante e necessária. Eu sei da vida dela e ela não sabe meu nome. Que alegria ser uma anônima tão requisitada. Não tenho rosto, nem nome, sou um ouvido que, prestativo, começa a saber segredos de um outro que jamais vi e espero nunca mais encontrar.
Às vezes a vida alheia me preenche e faz com que a minha própria vida fique em segundo plano. O que é minha vida diante da vida alheia? Ora, quão mais belas as cartas que pude ler, sem ser a destinatária, quão mais trágicos os namoros que soube como acabaram sem ter sido a namorada, quão mais cheios de adrelina os encontros furtivos em motéis longíquos dos quais só participei ouvindo, sem nunca obter o gozo ou a decepção das escapadas.
Preciso dessas histórias, necessito de vida, não da minha, da alheia.
Por mais que pareça estranho, às vezes, eu sou uma vida alheia a mim mesma, porque tudo em mim é vida e se modifica. Aí, preciso saber da minha vida pela vida alheia, para lembrar quem eu sou. Sentir-me normal, até demais, diga-se de passagem. Sentir-me real e mera ficção. Reconhecer-me na vida alheia.
Mas, diferente dos outros, gosto de estar alheia à vida alheia. Gosto de ouvir, olhar e observar, mas desde que eu dê os nomes e continue as histórias que me foram contadas pela metade.
Revistas de fofocas iriam a falência se dependessem de mim. Bom mesmo é vida alheia que permanece alheia, que você só sabe pela metade e nem viu o rosto, só as pernas ou as mãos. Só as bocas e as vozes. Uma tela cubista que você enxerga como quiser...
domingo, julho 25, 2004
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Um comentário:
A vida alheia é a vida a lê-la...
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