sexta-feira, agosto 22, 2003

Na Estrada

Quando criança sempre perguntavam para mim o que eu gostaria de ser quando crescesse. Respondia várias coisas que pudessem contrariar a vontade dos outros. Sempre tive uma forte inclinação a contrariar as pessoas, queria mostrar que tinha vontade pópria. Quando as tias diziam: "ela desenha bem, vai ser desenhista" - eu retrucava imediatamente: "Não! eu quero ser médica!!!", ou quando falavam que eu daria uma boa médica, eu me recusava e escolhia jornalismo. E por anos, não posso negar, eu achava que queria realmente ser jornalista.
Contudo, um desejo meu jamais contei. Uma vontade que se iniciou aos quatro anos de idade, quando meu pai era dono de uma loja de móveis. Como minha mãe trabalhava ao seu lado e meu irmão já estava na escola, eu ficava na loja com eles. Fingia que vendia alguma coisa e brincava com o piano que por acaso apareceu na loja.
Um dia um caminhão veio buscar o piano e nesse momento começou uma grande paixão e uma grande tristeza. Eu olhei aquele caminhão e fiquei deslumbrada, apaixonada, encantada. Era enorme. Aos quatro anos tudo é sempre gigante ao nosso olhar, ainda mais para mim que sempre fui pequena.
Meu pai conversava com o motorista e eu segurava a barra da calça dele quando disse:
-Moço, deixa eu entrar?
Meu pai olhou muito feio para mim, imaginem, criança e ainda por cima menina, se metendo em conversa de adulto e querendo subir em um caminhão, é demais para a cabeça de um imigrante libanês, na época, com 71 anos.
O motorista do caminhão sorriu e pediu para que meu pai deixasse eu entrar. Colocaram-me lá dentro e eu fiquei brincando com o volante, me achando a caminhoneira. Achei que um dia eu teria um caminhão igual aquele.Contudo, logo em seguida, quando vi o piano sendo levado, chorei muito porque sempre achei que aquele piano era meu. Vi as minhas duas grandes paixões indo embora ao mesmo tempo.


Acabei fazendo jornalismo, frustrando-me com a superficialidade da faculdade e vendo que aquilo, definitivamente, não era pra mim. Acho que a escolha foi muito mais por causa da possibilidade de estar nas ruas, nas estradas, quase o tempo inteiro, em busca de novas matérias, do que com a profissão em si. Mas a internet e as agências de notícias chegaram muito antes de mim nas redações.

Deve haver gente se perguntando: mas ela não queria ser escritora, poeta, lançar um livro?
Isso nunca passou pela minha cabeça. Eu queria ser uma caminhoneira pianista. Detestava "Língua Portuguesa" no colégio e sempre fui péssima em gramática. Era boa em matemática e física, principalmente em Ondas Sonoras e Mecânica, calculando tempo, espaço e velocidade.

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