Sem título.
A dificuldade de falar de você é a mesma da de não falar. Afinal, como não dizer que é o homem mais forte, mais corajoso que já conheci?
Como não citar a pessoa que marcou minha vida e me fez ter a lembrança mais remota, aos dois anos de idade.
Lembro-me nitidamente quando foi carregado de casa, tirado de mim daquela forma tão brutal. O meu irmão gritando que estava morrendo e eu olhando na janela você sair, carregado.
Ali aprendi que as pessoas vão embora e me fariam chorar e sofrer por isso. Aprendi que deixá-las longe é mais fácil. E você também fez isso comigo. Tentou afastar-me, se fez indiferente e cruel muitas vezes.
Contudo, não me afastei, porque lembro de um mês mais tarde algo que o fez chorar, mostrando que, apesar de toda a dureza, toda a rigidez, é um homem sensível também. Eu corri batendo palmas e cantando: "papai chegou do hospital" e lembro das lágrimas no seu rosto ao me pegar no colo.
Nesses últimos meses, essas lembranças voltaram. Em Dezembro você caiu no banheiro, sua idade não permitia isso e eu e meu irmão nos vimos carregando no colo, como você fazia conosco, o homem mais forte do mundo. Janeiro e Fevereiro foram meses terríveis, sua mão segurando a minha e sua boca me dizendo para eu cuidar de mim, porque não poderia mais fazê-lo. E de repente, tivemos que cuidar não só de nós, mas tanto de você quando da minha mãe.
Eu me senti tão sozinha e ao perceber minha solidão, sua melhora veio rápido e eu pude cantar e bater palmas de alegria porque meu pai havia sarado e você me abraçou e disse para que eu ficasse calma, pois minha mãe iria melhorar também.
Por isso, hoje, eu só quero dizer: Obrigada!
Obrigada, pai, por ter sido sempre meu pai, pois mesmo não sabendo o que é ser pai, já que nunca teve um e constitui a sua família tarde, tendo seu primeiro filho aos 65 anos e sendo 67 anos mais velho do que eu, nunca quebrou a relação pai e filha. Foi difícil, somos tão iguais e tão distantes em gerações. Batemos de frente muitas vezes. Mas ao menos, nunca deixei de vê-lo como pai e saber que nos seus olhos há um orgulho de pai pela sua filha.
Obrigada mais uma vez por nunca me deixá-lo ver como um homem e assim poder amá-lo sempre.
domingo, agosto 10, 2003
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