domingo, maio 11, 2003

Liberdade Condicional



Há alguns meses atrás, um raio caiu na minha casa. Eu estava dormindo quando ouvi o barulho e achei que fosse mais um dos meus pesadelos, por isso continuei dormindo. Logo que acordei, descobri que o telefone estava mudo, o computador não ligava, o vídeo havia queimado e a imagem da televisão só tinha duas cores: verde e roxo. Nesse momento pensei que era só o que me faltava, pois tudo já havia acontecido comigo, desde meus pais ficarem doentes na mesma época até minha melhor amiga perder, pela segunda vez, o bebê que há sete anos esperamos juntas. Mas depois resolvi ver o lado bom, afinal, se eu estivesse andando na rua naquele momento, com a sorte que eu estava tendo, provavelmente o raio teria caído na minha cabeça. Contudo, lembrei que com a sorte que eu estava tendo, o lado bom seria o raio ter caído na minha cabeça e tentei ver por um outro ângulo, aquele do ditado em que dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Apesar do raio, a tempestade não tinha chegado ao fim, ela continuou por alguns meses ainda e agora há uma nuvem negra que às vezes faz garoar, outras só ameaça chover.
Não chegou ao fim, mas é hora de arrumar a casa. E tenho feito isso todos os dias: Faço almoço (3 tipos de comida diferente, pois cada um come uma coisa aqui nessa casa.), arrumo as coisas, faço supermercado, faço feira e LAVO ROUPA! Descobri que eu adoro ESTENDER ROUPA! Durante essa atividade, sinto o vento batendo no meu rosto, sinto o sol, quando consigo estender de dia, vejo a lua e o pouco de estrelas que o céu de São Paulo me permite ver, quando as estendo à noite, e, principalmente, penso em como os dias que passaram foram difíceis e em como a solidão foi implacável. Penso no sentimento de impotência por não poder fazer nada além do que eu estava fazendo, na tristeza de não ter ninguém por perto com quem pudesse desabafar, nos 12 kgs que emagreci, na quantidade imensa de maços de cigarros fumados, no tempo em que vivi afastando e mandando embora as pessoas que tentatavam fazer parte da minha vida, em como algumas pessoas que faziam parte da minha vida me descartaram no momento em que mais precisei e outras com que não convivia me surpreenderam com tamanho carinho, e também, como foi e, de certa forma, ainda está sendo duro, acordar de manhã.
Tudo começou no mês de outubro e eu havia escrito que durante a minha vida eu passei grávida de felicidade e, naquele momento, eu sentia que o aborto seria inevitável. Foi inevitável e pior do que eu pensava, foi mais que um aborto, foi a perda total da liberade e do resto da esperança, foi uma condenação.
Contudo, quando estendo a roupa, olho para o céu e penso que mesmo sendo duro acordar de manhã, sinto-me em liberdade condicional. Talvez a minha pena chegue ao fim, talvez alguém venha me salvar, ou eu consiga pedir revisão do processo e sei lá quem foi o juiz que me condenou, acabe percebendo que sou inocente.
Uma certeza eu tenho: ESTENDER ROUPA É ÓTIMO, MAS TIRAR A ROUPA DO VARAL É MUITO CHATO, ESPECIALMENTE QUANDO COMEÇA A GAROAR E ELAS AINDA ESTÃO MOLHADAS!

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