domingo, junho 29, 2003

Declaração de Amor

Marta estava brava com seu namorado. Carlinhos não era mais o garoto romântico do início do namoro. Não fazia mais declarações, não dizia coisas bonitas de amor. Ela gostava das coisas bonitas de amor e ele deixou de falar e fazer. Brigou com ele. Disse que queria uma declaração bem bonita.
Carlinhos não sabia o que fazer. Disse que a amava, mas Marta não aceitou. Queria mais que um simples "Eu te amo". Ela falou que isso a gente pode dizer olhando no olho e estar mentindo. As outras coisas não. As coisas bonitas de amor a gente não consegue mentir, ninguém elabora coisas bonitas pra alguém que não ame. Eu te amo , homem diz até pra prostituta quando está com muito Tesão.
Foi à praia de copacabana, sentou num banquinho, cabisbaixo, quieto, com olhar perdido em direção ao mar. Uma moça passou e falou baixinho:
- Você me lembrou o seu Carlos.
- Quem é esse?
- É o dono da Versejaria ali da esquina, não conhece?
- Não.
- Ele vende os mais belos versos.
Carlinhos ficou feliz, agora era só passar na loja do seu xará e comprar uns versos e dar de presente pra Marta. Mas quando chegou na Versejaria, estava fechada. Seu Carlos havia deixado um bilhete, na porta, em que estava escrito:

FALÊNCIA.
TENTE A LOJA DE PALAVRAS
ESTRELA DA MINHA VIDA


A loja de palavras "Estrela da Minha Vida" era de seu Manuel. Homem bom, mas meio estranho, gostava muito da palavra morte. Devia ser por causa da tuberculose. E foi por causa da tuberculose de seu Manuel que Carlinhos deu com os burros n'água. A loja também estava fechada. O dono do bar ao lado informou que seu Manuel tinha ido fazer um tal de "Pneumotórax", mas os fregueses do boteco juravam que o tinham visto dançando um tango argentino no meio de um "Bacanal".
Carlinhos não estava muito interessado no paradeiro de seu Manuel, queria mesmo era encontrar um lugar pra comprar coisas bonitas de amor pra dar à Marta. Foi informado da prosaria de seu Assis. Disseram-lhe que era a melhor prosaria do mundo. O homem era sabido por demais. Gostava das coisas direitinhas, seus funcionários tinham que usar as vírgulas nos lugares certos e o traje na mais perfeita coesão e corência. E eram obrigados a falar difícil.
Carlinhos correu pra lá, mas seu Assis estava na hora do almoço. Deu de cara com a porta e aproveitou para ir almoçar também. Antes, passou no banheiro para lavar as mãos e lá encontrou um Sr. mulato, que estava diante do "Espelho" e se parecia com a descrição que fizeram de seu Assis. Foi perguntar:
- Oi. Tudo bom, o Sr. é seu Assis ?
- Sou sim.
- O Sr sabe onde eu posso encontrar uma loja que venda coisas bonitas de amor?
- Pra quê? "A melhor declaração de amor não vale um beijo" , meu jovem.
- É, vai falar isso pra Marta...
Saiu e foi atrás das coisas bonitas de amor. Passou na "Linguagem do Sertão" do seu Rosa, mas não entendeu quase nada que ele falou. Achou bonito, mas não era o que precisava. Foi à loja "Paulicéia" de um tal seu Mário, mas ele tinha ido a São Paulo dar aulas de piano.
Cansou de procurar e na volta pra casa, foi encontrar Marta. Estava com medo, não tinha encontrado nada pra dizer. Nenhuma coisa bonita de amor. Lembrou-se, então, das palavras de seu Assis e resolveu tentar:
Envolveu-a nos braços e como se desenhasse sua boca, contornava-a com os dedos. Fechou seus olhos e a beijou. Um beijo terno e furioso. Um beijo intenso como uma morte lenta. Um beijo que fica na boca mesmo depois que acaba.
Marta sorriu, entrelaçou sua mão na de Carlinhos e disse:
-Leve-me para onde quiser.

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