sexta-feira, junho 06, 2003

Jornal Banal

Lembro de uma música em que diz que "a dor da gente não sai no jornal" e de Manuel Bandeira com seu "Poema retirado de uma notícia de jornal". Os dois falam de suicídio, os dois falam de jornal . No primeiro é de um errado João que uma moça chamada Joana escolheu, e por causa dele tenta contra sua existência, e o outro de um tal João Gostoso que se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Como teria sido a manchete sobre a tentativa de suicídio de Joana? Como foi a manchete sobre o suicídio de João? Será que contaria, ou contava, as angústias vividas desses dois personagens?
Não, não haveria tempo pra isso. Não haveria espaço e a objetividade tão perseguida, a ilusão de distanciamento e imparcialidade seria mutilidada.
E todas essas buscas dos jornais passam a tornar banal as experiências de cada um...
O que é tentar contra a existência por um grande amor, escolhido errado, diante da notícia seguinte, que pode ser uma receita de frango à passarinho ou um atentado à prefeitura do Rio de Janeiro. O que é um homem boiando na lagoa Rodrigo de Freitas, cuja alcunha é João Gostoso, diante da propaganda de refrigerante vinda logo em seguida? E indo além, o que são os juros altos diante da nova mulher siliconada cuja foto é estampada na capa?
Claro que há a exploração da dor em outros jornais que a enfatizam milhares de vezes e essa tentativa de reavivar a sensibilidade alheia, torna ainda mais banal um homem boiando na Lagoa, uma mulher no hospital por causa de um grande amor.
O que é banal, afinal? O que é realmente importante?
Faça um teste e no mesmo dia leia um grande jornal: página policial e coluna social e assista um Telejornal. Depois vá a algum lugar que o lembre de sua infância, do seu primeiro beijo, do dia em que seu filho deu os primeiros passos ou que o ouviu chamá-lo de pai ou de mãe.
Pense consigo mesmo se há em alguma notícia a experiência do noticiado e se em você causou algum efeito. Pense no tempo dedicado a Ronaldinho, à vida sexual da Sandy, ao corte de cabelo do presidente e o tempo esquecido com suas iquietações, angústias, alegrias, encatamentos.
Será que não nos forçaram a entender coisas importantes como banalidades?

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