sábado, junho 05, 2004

E veio aquele beijo...aquele beijo...*

Machado de Assis, no conto "O Espelho", revela que a melhor definição de amor não vale um bejio. Pensando nisso resolvi aproveitar a semana dos namorados para falar do beijo. Confesso que não foi só isso que me levou a querer falar no assunto, meu esmalte novo tem forte influência na escolha, pois chama-se "deixa beijar".
Além de Machado de Assis, outros autores deram ao beijo um status além das palavras, já que as definições não compreendem o amor, pois são palavras, não sentimento, assim, retomando o mesmo conto, os fatos explicam melhor os sentimentos: os fatos são tudo. O beijo é um fato.
Cortázar, por exemplo, dedica um capítulo inteiro para a descrição de um beijo. Qualquer definição do amor, feita em páginas literárias, até mesmo "O Banquete", Platão, não deixaria o leitor tão ávido por encontrar alguém quanto aquele capítulo 7 de "O Jogo da Amarelinha. Nesse capítulo, uma ação com referência imediata na realidade é descrita: a imagem do beijo vem à mente. É como quando alguém diz o nome de um prato de que gostamos bastante e começamos a salivar.
Por esse motivo, não é no beijo em si que se encontra o amor, mas, apropriando-me do verso de Drummond, "no breve espaço de beijar". Não é quando as personagens se beijam, mas nos minutos que antecedem o beijo em que a vontade é descrita. Vontade que é o sintoma principal do amor, "paixão" principal da vida, que nos move e que nos faz agir. Assim, o beijo é a ação do amor que ao ser realizada pode provocar o tédio - o que acontece geralmente quando o sujeito entra em conjunção com o objeto -, ou aumentar a vontade - o que acontece quando o casal ainda está nos primeiros meses do relacionamento.
Por isso a prostituta cobrava mais com beijo, pois beijar não é necessidade fisiológica como o sexo, é vontade, é desejo cultural, não natural. Afinal, qualquer bicho faz sexo, mas eu nunca vi um beijo de dois elefantes nesses programas sobre a vida animal.

Não quero, contudo, mitificar o ato de beijar, o romantismo só faz parte do meu cotidiano quando o assunto é Chico Buarque, porém quando a boca que idealizamos coincide com a boca que está a nossa frente**, a frase de Machado de Assis faz mais sentido, os versos de Drummond deixam de ser apenas versos e amor não é mais só uma palavra...




* Verso da música Fotografia de Tom Jobim.

** Cortàzar, J, cap. 7.

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