terça-feira, junho 15, 2004

A fita

Tive uma crise de choro após o filme. Não consegui esperar o final dos créditos para ouvir a musiquinha e não atendi aos gritos do porteiro acostumado a comentar a película comigo, após a sessão. Saí correndo em busca de um café isolado e com no máximo duas ou três pessoas além do garçon.
Sentei e torci para que o garçon não me perguntasse nada além do que eu queria, pois estava difícil segurar as lágrimas. Muita sorte ele trazer um café, sem nem olhar para o meu rosto, completamente deformado e inchado de tanto chorar. Após trinta minutos, quando finalmente consegui controlar o choro, sem ter tocado no café, pedi a conta. Resolvi andar um pouco e pensar. Enquanto andava pelas galerias atrás de alguma coisa boba que me fizesse esquecer os motivos do choro, encontrei-o. Dessa vez estava sozinho.
- Oi, menina. Cê tava chorando? Aconteceu alguma coisa, seus olhos estão vermelhos e inchados.
- Nada demais, tive uma crise de choro após um filme.
- Que filme?
- Minha vida sem mim. Sei lá, de repente percebi que vou fazer 30 anos, daqui a poucos dias, e não tenho ninguém para deixar uma fita.
Nessa hora olhou-me assustado, jamais me imaginaria chorando ao ver um filme desses, jamais me convidaria para ver um filme assim. Só lembaria de me convidar para ir ao cinema, se fosse para ver um filme russo com legenda em alemão, mesmo assim para tentar me impressionar, e só me imaginava em cinematecas assistindo mostras do Fellini ou Trufaut.
Mostrou-se preocupado, nunca havia me visto tão transtornada, que até pegou na minha mão e convidou-me para irmos à sua casa, tomar um achocolatado e ouvir Chico Buarque.
Apesar de esperar por mais de um ano para encontrá-lo sozinho e ter sonhado com esse convite, não aceitei. Abaixei a cabeça e disse que era melhor ir embora.
Ele só conhecia 10% de mim e ainda assim não conseguiu me amar...

Um comentário:

Ricky disse...

Meu Deus!!
De cortar os pulsos
de rasgar as vestes
de vestir os trapos
e nao sentir o pulsar dos cortes.