Mover e Sofrer
Aeroporto Vira Copos, Campinas, São Paulo. Ali começou uma história de amor e terminou outra.
Voltava para o Rio de Janeiro, após uma entrevista para mestrado, na UNICAMP. Não me dei bem, como, aliás, já sabia. Fui para um suposto desencargo de consciência, ou para sair um pouco do Rio e esquecer minhas lamúrias habituais de economista frustrado. Deveria ter sido pianista, ou qualquer coisa do gênero, mas minhas habilidades musicais são tão mínimas quanto as minhas habilidades com as mulheres. Até hoje não descobri se sou eu que perco a graça quando começo um relacionamento, ou se são elas que, sem maquiagem, tornam-se mulheres comuns.
Fico criando teorias demais sobre isso, mas a realidade é uma só: corro atrás de coisas que só existem na minha imaginação. Ou melhor, corria.
Ela segurava em suas delicadas mãos uma passagem e uma bolsa pequena. Parecia não carregar as inúmeras coisas que as mulheres costumam levar. Seus olhos, lindos olhos negros, aliás, estavam cheios de lágrimas e seu rosto branco sem nenhuma maquiagem. Estava sentada em frente à sala de embarque e seu olhar fixamente direcionado ao portal de entrada do aeroporto. Não resisti e sentei-me ao seu lado.
- Olá.
- Oi- respondeu-me com uma voz meiga irresistível.
- Posso ajudar?
- Não.
Ficou em silêncio. Ficamos em silêncio.
Eu fiquei esperando o vôo de volta ao Rio e à minha vida que, segundo informaram, iria se atrasar devido ao mau tempo encotrado em São Paulo. Em outra ocasião, faria uma piadinha qualquer sobre a cidade da garoa, mas o simples fato de tê-la encontrado, fez com que eu, pela primeira vez, achasse a cidade perfeita. Aliás, algo me dizia que ela era paulistana. A pele branca denunciava. Talvez, se conseguisse arrancar mais algumas palavrinhas de sua boca, eu poderia ter essa certeza.
- Desculpe, percebi que está chorando, aconteceu alguma coisa?
- Você é insistente, hein?
Não pude acreditar quando a ouvi falar a frase. Seu sotaque, definitivamente, não era de uma paulistana. Minhas vindas a São Paulo me garantiam isso.
- Você é de onde?
- Do Rio de Janeiro.
- Estado do Rio?
- Também.
O coração bateu mais forte. Durante anos ela esteve na mesma cidade que eu e nunca a encontrei. Preciso ouvir mais minha consciência.
Ela não tirava os olhos do portão, parecia estar esperando alguém. Novamente o silêncio ficou entre nós por vários minutos quando foi quebrado por sua voz meiga.
- Você também é do Rio, né?
- Sou sim. Botafogo.
- Somos vizinhos. Ou quase.
Ela esteve perto o tempo todo. Comecei a ficar curisoso para saber de sua história. Olhei-a como quem perguntava o que ela estava fazendo ali e por algum motivo, resolveu contar-me:
- Acho que ele não vem. – olhou no relógio e a decepção tomou conta de seu semblante.
- Ele quem?
- Meu ex-noivo. – as lágirmas começaram a cair novamente e ela prosseguiu – Ele veio fazer mestrado em economia aqui. Estávamos para nos casar, mas há duas semanas, mandou-me uma carta dizendo que queria terminar. Mandei um telegrama, como última tentativa, dizendo que estaria aqui às 11h. e o esperaria até às 18h. Se ele não aparecesse, não o procuraria mais. São quase seis. Ele não virá.
Pensei em ser hipócrita o bastante para esconder a minha alegria por ele não ter chegado e dizer à ela que eram quase seis, ainda faltavam alguns minutos e essas coisas inúteis que a gente diz pra consolar alguém, ou então, partir pro ataque e começar a dizer como ela era linda.
Não fiz nada. Deixei meu silêncio falar por mim. Em um certo momento, confesso ter-me deixado lever pela emoção da situação e torcer para que, como nos filmes de Hollywood, ele chegasse no último minuto, quando estivéssesmo embarcando e poder ser testemunha ocular de uma cena cinematográfica. Mas logo deixei de lado esse rompante romântico, não tenho vocação para Rick Blaine. Queria estar com ela. Precisava dela. Ora! Sempre sonhei com uma mulher capaz de tudo por amor, até mesmo sofrer e entender que ele não a queria mais.
O aviso de chamada para o embarque do vôo foi dado. Outra vontade: uma mulher com voz de aeroporto. Mas logo passava.
Embarcamos e conversamos bastante. Ou melhor, fiz um monólogo enquanto ela chorava. Ofereci meu ombro. Segurei a vontade de beijá-la. Em alguns momentos contou-me sua aversão por praias e lugares cheios. Uma explicação para sua pele branca.
Ao desembarcarmos no Santos Dummond trocamos telefones e endereços.
Voltei ao Rio, à minha vida. A cidade estava mais bela do que o habitual. A cidade é linda, mas não reparava nela. Sabia de suas belezas, muito mais pelos programas de TV, do que pelas minnhas percepções diárias. Sonhei com a moça alva e bela. Sonhei acordado e, quando voltei do trabalho, no dia seguinte, não resisti ao impulso de ir procurá-la. Passei em frente ao seu apartamento em Botafogo. Engraçado, quase morei no mesmo prédio. Da varanda pode-se ver o Cristo, mas fui informado que iriam construir um condônimo em frente e a vista seria prejudicada. O mais estranho de tudo foi eu ter me importado com esse detalhe, afinal, eu nunca vou à varanda do meu apartamento e raramente reparo nos encantos do Rio de Janeiro.
Uma confusão em frente ao prédio chamou-me atenção. Fiquei curioso em saber o que havia acontecido.
- Olá, o que houve aqui? – perguntei a uma senhora que chorava muito.
- A moça do 304 se suicidou.
Ela se matou por amor. Não acreditei, ela foi capaz de algo tão Shakesperiano. Fiquei ainda mais apaixonado. Jamais conheci alguém tão sublime, tão apaixonado, tão século passado.
Com o coração ainda emocionado, resolvi andar na praia. Andar na praia, tão romântico quanto sua atitude. Sintia-me no meio de filme, podia ouvir uma música ao fundo. Quero dizer, não conseguia lembrar-me de nenhuma, mas a situação merecia. Eu quis chorar, mas uma moça caminhando em minha direção não deixou-me:
- Oi, tudo bem?
- T-t-t-udo. – ela não tinha se matado? pensei imediatamente.
- Praia! É bom andar e ver o pôr do sol na praia.
- Você disse que não gostava.
- Na verdade meu ex-noivo não gostava. Como vivíamos juntos, achei que eu fosse da mesma opinião.
- Eu passei no prédio onde você mora.
- Viu a confusão? A moça do 304 se matou.
- Você mora em que apartamento mesmo?
- No 404. E então, quer tomar um suco?
Ela não era quem eu pensava. Era uma mulher comunicativa, alegre e usava maquiagem. Não chorava o tempo todo e confessou-me que jamais seria capaz de um suicídio por amor. Mandou o telegrama e fez tudo aquilo, mais por um desencargo de consciência, pois seu relacionamento, segundo ela, já havia acabado antes da partida do noive para Campinas. Ficou triste, pois foram sete anos ao lado de uma pessoa. Além disso, sempre teve vontade de fazer algo diferente em sua vida, algo que pudesse contar a alguém e visse surpresa no olhar da pessoa. Sua vida andava comum demais.
Conversamos bastante e olhamos as estrelas. Ela tinha um conhecimento profundo sobre astronomia. Tão profundo que tirava o romantismo delas. Apaixonei-me.
É melhor começar um romance numa praia que em um Aeroporto.
quinta-feira, julho 17, 2003
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