domingo, novembro 30, 2003

Detalhes antigos

Escrito no dia 06/02/2003, publicado nos antigos detalhes distantes. Está aqui novamente porque eu e o Menino Experimental conversamos ontem sobre o livro "Fragmentos de um discurso amoroso" e o Pê me disse que a parte que ele mais gostava era o da espera. Comentei sobre esse texto e o que eu penso sobre todo paulistano ter um rosto de espera e disse a ele que colocaria o texto aqui.

Hoje jantei num restaurante da faculdade. É, não tava tão sem grana assim e deu pra escapar do bandejão. Tinha acabado de ver um filme do Almodòvar que tava passando por lá. Um dos primeiros dele, muito engraçado.
Bom, voltando ao jantar. Fui sozinha. Gosto de fazer algumas coisas sozinha que os outros dizem ser chato, como ir ao cinema, jantar em restaurantes, tomar um café em um "café" e ficar estudando ou lendo jornal. A única coisa que me recuso a fazer sozinha é beber. O dia que fizer isso, saio do bar e vou direto pro AA.
Estava lá, fiz meu prato, odeio self service, mas tudo bem, a comida a essa altura já não era o importante. O mais legal foi ficar observando as pessoas que também estavam sozinhas. Lembrei de uma conversa com o sobrinho, comentamos uma vez que é interessante perceber que essas pessoas agem como se estivessem esperando alguém.
Elas olhavam para a porta como se a qualquer momento fosse chegar quem esperavam, terminavam seu jantar e ninguém aparecia. Saíam com cara de quem tinha levado um bolo. Poderiam realmente estar esperando alguém, contudo, em um restaurante em que nos servimos sozinhos, as pessoas às vezes dividem mesas, faltam cadeiras e as perguntas:
"Posso me sentar aqui?" - ou - "Posso pegar a cadeira ou você está esperando alguém?" - geralmente são ouvidas e a resposta é quase sempre a mesma: "sim, pode"- o que significa que não esperavam ninguém.
Então, já com a comida fria, comecei a rabiscar algumas hipóteses . É tão intrigante a reação de um paulistano, ou de alguém que mora em São Paulo, diante da solidão ou do fato de estarem sós.
1) Fazem de conta que esperam alguém para não admitirem pra si mesmos sua solidão;
2) Querem mostrar aos demais que não estão sozinhos, mas que a pessoa simplesmente não apareceu;
3) Talvez esperem realmente alguém, mas não alguém marcado, um alguém qualquer que os façam sentir melhor e por isso olham constantemente para porta. Quem sabe o "alguém" entra... e;
4) Esperam a si mesmos refletindo o desejo do outro.

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