sábado, maio 29, 2004

Dos autores e das obras

Raramente eu associo autor e obra. Talvez seja um defeito meu, mas ainda que eu goste muito de um determinado autor, sua vida não me interessa em nada. Gosto de saber da vida quando tem alguma relação com sua obra, caso contrário, não faço a menor qüestão.
Com exceção de Mário de Andrade, que devo confessar, gosto mais da figura dele do que de seus poemas, se Borges era de direita, se Nelson Rodrigues machista, ou mesmo se Dostoiévski escrevia para pagar dívidas de jogo, nada disso faz diferença para mim. Gosto do que eles escrevem, gosto do texto, a vida pessoal não me interessa.
Aliás, até com o Mário, isso acontece. Apesar de ser capaz de fazer o caminho do 35, conto "Primeiro de Maio" e adorar ler suas correspondências, coisas como sua sexualidade, motivo da briga com Oswald, relação com Anita são totalmente descartáveis, aos meus olhos, porque não interferem diretamente em sua obra. A briga com Oswald interferiu um pouco no seu trabalho crítico, mas o motivo em si, não.
Com bandas acontece a mesma coisa. O Pedrinho que vive fazendo gracinhas por eu gostar de Belle&Sebastian deve saber mais da banda que eu. Não sei nomes de cor, não sei fatos, acho que não sei quase nada, apesar de ter todos os discos.
Até Maria Bethânia e Chico Buarque que são meus deuses da música, eu raramente procuro saber algo sobre suas vidas. Aliás, quanto mais distante dela, melhor. Sei lá, deuses não devem virar gente, ganhar características humanas como os da Grécia, porque a crueldade é uma dessas características.
Eu sempre insisto na diferença entre autor/narrador, poeta/eu lírico, personagem/pessoa, porque uma obra literária ou uma música, ainda que haja elementos autobiográficos, passam pelo processo de criação, são transformados, e esse é o grande barato da escrita, do contar estórias, ou da melodia e harmonia de uma música. Aquela velha história do "não é o que se diz, mas como se diz". E, volto a repetir a frase do filme Storytelling: "não importa se é verdade ou não, se está escrito é ficção".
Pode ser defeito querer ficar longe da vida pessoal, mas isso também me faz ser menos decepcionada, até mesmo ao conhecer pessoas via blog, que raramente são o que seus sites aparentam. Dessa forma, consigo não esperar nada de um escritor quando o conheço pessoalmente, ou de um autor de um blog - o que raramente acontece, pois até hoje, só conheci duas pessoas via blog e, posso dizer com certeza, não eram nada parecidas com "suas personagens" virtuais.

Um comentário:

Ricky disse...

Saudavel sua postura diante dos criadores.

Sao os criadores que criam as criaturas ou elas saem já criadas dos criadores?

Mas vocë parece estar na contramao de todo nosso mundo atual, que viceja aa base da vida das celebridades, o que pensam, quem amam, quem comem, o que comem...

Fofocas & tititis...
Se o tempo gasto em acompanhar a intimidade dos artistas
fosse utilizado para devassar suas obras...